Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; II Timóteo 3:16

Uma História de Reconciliação

Uma História de Reconciliação
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UMA HISTÓRIA DE RECONCILIAÇÃO

 

A carta de Paulo a Filemón é digna de ser examinada sob a ótica da palavra da reconciliação que temos recebido. Assim como temos a responsabilidade de apregoar aos homens a reconciliação com Deus, também temos de fazê-lo em relação aos homens.


Há três personagens em evidência nesta carta do apóstolo: Filemón, Onésimo e o próprio Paulo.

Filemón era um amigo de Paulo (a quem a carta foi endereçada) e também um filho na fé. Seu nome significa "afeiçoado", o que nos faz concluir – juntamente com o conteúdo da carta – que era alguém que facilmente alcançava o carinho das pessoas, e sabia como retribuir o que lhe era dado. Era a pessoa lesada da história.

Onésimo é o pivô desta história. Foi em favor dele que Paulo escreveu. Era um escravo fugitivo, e o apóstolo Paulo intercede por ele, para que Filemón o receba de volta e o perdoe. Era o que estava em falta.

Paulo, o apóstolo dos gentios, é que assume o papel de reconciliador, e certamente compreendia muito bem o significado das palavras de nosso Senhor: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5:9).

O apóstolo se identifica como prisioneiro de Cristo, lembrando a Filemón que a distância entre eles se dava pelo fato de Paulo estar na cadeia por pregar o Evangelho. Mas a introdução da carta já revela o vínculo que havia entre eles:

“Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, e o irmão Timóteo, ao amado Filemón, também nosso colaborador, e à irmã Áfia, e a Arquipo, nosso companheiro de lutas, e à igreja que está em tua casa: Graça e paz a vós outros da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. Dou graças ao meu Deus, lembrando-me sempre de ti nas minhas orações, estando ciente do teu amor e da fé que tens para com o Senhor Jesus e todos os santos, para que a comunhão da tua fé se torne eficiente, no pleno conhecimento de todo bem que há em nós, para com Cristo. Pois, irmão, tive grande alegria e conforto no teu amor, porquanto o coração dos santos tem sido reanimado por teu intermédio” (Filemón 1-7).

Filemón era uma pessoa amorosa e hospitaleira, e demonstrava isto para com todos. Por isso, Paulo age de forma muito carinhosa para com ele, ao interceder em favor de Onésimo, um escravo que havia fugido e que, certamente, também o havia lesado.

O que temos aqui é mais do que mera psicologia ou política de bons relacionamentos. Trata-se de uma direção do Espírito Santo na vida de Paulo não só para resolver um problema de seus dias, mas para que ficasse como exemplo e referência para todos nós hoje.

O pedido por restauração do relacionamento é claro e direto:

“Pois bem, ainda que eu sinta plena liberdade em Cristo para te ordenar o que convém, prefiro, todavia, solicitar em nome do amor, sendo o que sou, Paulo, o velho e, agora, até prisioneiro de Cristo Jesus: sim, solicito-te em favor de meu filho Onésimo, que gerei entre algemas. Ele antes te foi inútil, atualmente, porém, é útil, a ti e a mim. Eu to envio de volta em pessoa, quero dizer, o meu próprio coração. Eu queria conservá-lo comigo mesmo para, em teu lugar, me servir nas algemas que carrego por causa do evangelho; nada, porém, quis fazer sem o teu consentimento, para que a tua bondade não venha a ser como que por obrigação, mas de livre vontade. Pois, acredito que ele veio a ser afastado de ti temporariamente, a fim de que o possuas para sempre, não já como escravo; antes, muito acima de escravo, como irmão caríssimo, especialmente de mim e, com maior razão de ti, quer na carne, quer no Senhor. Se, portanto, me consideras companheiro, recebe-o, como se fosse a mim mesmo” (Filemón 8-17).

Esta epístola nos revela uma história de reconciliação. Quando Paulo escreveu a Filemón, o fez movido por um único sentimento: promover reconciliação entre ele e Onésimo.

E a mensagem dada a Filemón poderia ser dita assim: “Enquanto estou na cadeia, você deveria estar me servindo, mas não está. Contudo, Onésimo que era seu escravo e fugiu (e está em falta contigo e precisando de reconciliação) está me servindo em teu lugar...”.

Certamente Onésimo ainda não era um crente quando fugiu, pois Paulo diz tê-lo gerado entre algemas, ou seja, lá mesmo na prisão.

Naqueles dias a escravidão era algo muito forte no Império Romano. A pessoa poderia vir a tornar-se escravo por diversas razões: poderia nascer na condição de filho de escravos e assim passaria a pertencer ao seu senhor; poderia ser devido à pobreza (quando familiares eram vendidos para arrecadar dinheiro); poderia ser devido à prática do roubo, o que culminava na prisão e possibilidade de se tornar escravo também.

Não sabemos com certeza o que levou Onésimo a ocupar esta condição, mas sabemos que ele teve um encontro com Cristo e sua vida foi transformada. Ele se tornou uma nova criatura e as coisas velhas ficaram para trás. Esta mudança é claramente vista na afirmação de Paulo a Filemón: ”Ele antes te foi inútil, atualmente, porém, é útil, a ti e a mim” (Filemón 11), Paulo escolhe propositalmente estas palavras porque o nome Onésimo significa "útil".

Antes desta transformação, Onésimo demonstrou ser um escravo rebelde e que provavelmente ainda roubou a Filemón por ocasião de sua fuga, pois Paulo menciona um possível prejuízo e a lógica nos faz entender que se este homem conseguiu chegar a Roma (onde Paulo estava preso) deve ter conseguido algum dinheiro ou forma de pagamento de suas despesas – o que um escravo normalmente não possuía:

“E, se algum dano te fez ou se te deve alguma coisa, lança tudo em minha conta. Eu, Paulo, de próprio punho, o escrevo: Eu pagarei - para não te alegar que também tu me deves até a ti mesmo. Sim, irmão, que eu receba de ti, no Senhor, este benefício. Reanima-me o coração em Cristo. Certo, como estou, da tua obediência, eu te escrevo, sabendo que farás mais do que estou pedindo” (Filemón 18-21).

Agora tente imaginar Filemón como alguém “afeiçoado”, dócil, e que, com o histórico de virtudes descrito por Paulo deve ter sido alguém que certamente se classificava como “um bom senhor”. E ainda assim, Onésimo foge e o rouba.

Acredito que esta história deixou mágoas e feridas. Deixou no ar um cheiro de ingratidão para Filemón. Não era o que ele esperava colher da parte de Onésimo... Mas por trás de tudo isto vemos a mão soberana de Deus. Onésimo vem a ter um encontro com Cristo nestas condições; e parecendo uma grande coincidência, a pessoa que o leva a Cristo é justamente um conhecido, um amigo de seu senhor. E este homem se torna agora seu discipulador.

Imagino que muitas coisas devem ter sido tratadas na vida de Onésimo. Paulo não começou pela necessidade de reconciliação. Quando ele escreve para Filemón, já havia um relacionamento entre ele e Onésimo.

Temos evidências de que já havia um processo de tratamento e que a maturidade vinha já brotando, pois quando Paulo diz que Onésimo era alguém que se encontrava “servindo em amor” é porque não estava lá na condição de escravo, e sim por livre e espontânea vontade e desejo de servir.

Ele também manifesta o desejo de voltar e se reconciliar com seu senhor, embora não tenha condições de restituí-lo.

Isto é evidência de transformação de vida!

Depois de ter fugido e alcançado sua liberdade (ainda que de forma ilegal), Onésimo poderia não mais querer voltar a ser escravo sob hipótese alguma, porém ele havia aprendido um princípio que seu discipulador costumava a ensinar:

“Porque o que foi chamado no Senhor, sendo escravo, é liberto do Senhor; semelhantemente, o que foi chamado, sendo livre, é escravo de Cristo” (1Coríntios 7:22).

Pelo constrangimento do amor de Deus em seu coração, ele passa a ser um escravo. Por amor ele passa a servir ao apóstolo Paulo e posteriormente se dispõe a voltar para Filemón. Ele entende que mesmo que tenha alcançado a liberdade no natural, agora é um escravo de Cristo (e de seus ensinos e ordenanças).

Praticando a restituição

Agora perceba algo: mesmo reconhecendo que Onésimo havia sido transformado e perdoado por Deus, Paulo não deixa de reconhecer que ele ainda tinha pendências a serem corrigidas.

Nossa transformação não remove de nós a responsabilidade de consertar algumas coisas que fizemos de errado em nosso passado. Não podemos agir certo só da conversão em diante, mas precisamos resolver algumas “coisinhas” que ficam para trás também.

O apóstolo não promove somente a reconciliação, mas também a restituição. Esta era uma ordenança da lei mosaica: a pessoa devolvia o que pegou e ainda acrescentava uma indenização.

Foi o que aconteceu com Zaqueu quando ele se converteu:

“Entrementes, Zaqueu se levantou e disse ao Senhor: Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais. Então, Jesus lhe disse: Hoje, houve salvação nesta casa, pois que também este é filho de Abraão. Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido” (Lucas 19:8-10).

Da mesma forma como Paulo pede perdão em favor de Onésimo, poderia também pedir o perdão da dívida, mas não faz isto, pois sabia que este era um princípio que deveria ser praticado e não ignorado.

Quantos crentes de hoje precisam aprender este princípio! Antes de nos entregar a Jesus deixamos para trás um rastro de injustiças praticadas e achamos que não precisamos fazer mais nada, só porque Jesus nos perdoou... mas não é bem assim!

Há situações em que a restituição será impossível de ser praticada. Mas há condições em que no mínimo uma reconciliação, um pedido de perdão, já faria muita diferença.

Tem muita gente por aí que ainda está presa a situações de seu passado. Nem tudo dá para se resolver.

Tenho um amigo que, antes de se converter, era assaltante de carros e de bancos; jamais poderá restituir tudo o que roubou antes de conhecer a Cristo. Mas tenho muitos outros amigos que reconheceram estar ao seu alcance, e que praticaram a restituição. Um deles foi restituir a uma antiga vizinha as galinhas que roubara em sua infância; e, além de se livrar de um peso que carregava, ainda pôde evangelizar a mulher que se impressionou com sua atitude.

Veja o caso dos dois personagens em destaque nesta epístola de Paulo. Temos Filemón como a vítima, e Onésimo como o culpado. Ambos se converteram e conheceram a Jesus. Ambos tinham pendências e precisavam ser ministrados por Deus. E ambos precisavam de reconciliação!

Mesmo reconhecendo que eram novas criaturas sem condenação alguma (Romanos 8:1), Paulo reconhece que eles precisavam desta reconciliação.

E você? Como está sua vida? Ainda traz consigo pendências não resolvidas? Acredito que esta é uma mensagem de Deus para muitos corações que necessitam de conserto.

Há um tempo específico para isto

Como já afirmei anteriormente, Paulo não iniciou o processo de reconciliação imediatamente após a conversão de Onésimo. Provavelmente este homem não tinha condições de fazer isto logo no início de sua caminhada. Talvez faltassem condições financeiras suficientes para tal. Talvez faltassem condições emocionais. Contudo, o que imagino ser mais provável: faltava maturidade espiritual. Este tipo de atitude não se gera da noite para o dia. Tem a ver com mudança de caráter, ajuste de valores.

A reconciliação costuma produzir vergonha na parte culpada quando sabe que vai encarar a vítima. Não sabemos quanto tempo isso levou para acontecer, mas o alvo não foi perdido de vista.

Talvez você também sinta necessidade de consertar certas pendências, mas deve procurar amadurecer o assunto em oração e busca de Deus. Não faça nada correndo. Busque conselho com o seu pastor antes de dar o passo, porque, mesmo sendo algo certo a ser feito, deve acontecer também na hora e da forma correta.

Esta história nos ensina três lições práticas:

1. Se você é alguém que está numa condição semelhante à de Onésimo, precisa buscar acerto.
2. Se você é alguém que, como Filemón foi ofendido e lesado, precisa perdoar quem te fez isto.
3. Se você, como o apóstolo Paulo, conhece outros crentes que tenham um problema de relacionamento ‘quebrado’, deve promover entre eles a reconciliação.

Infelizmente, a intriga sempre existiu e existirá no meio do povo de Deus nesta terra. Mas é em momentos como este que os aprovados se manifestam:

“Porque até mesmo importa que haja partidos entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em vosso meio” (1 Coríntios 11:19).

Se no livro de Atos dos Apóstolos e nas Epístolas do Novo Testamento (mesmo em meio a um grande mover de Deus) encontramos tantos problemas de divisões, intrigas e dissensões, por que achar que conosco nada acontecerá?

Mas quando vemos acontecer, devemos interferir como pacificadores. Talvez ao meditar nesta história de reconciliação você tenha concluído que não se encaixa nas figuras de Filemón ou Onésimo. Mas você pode ser um Paulo; pode ser um reconciliador!

Há pessoas que colocam sua língua à disposição de Satanás. Tiago escreveu que a língua muitas vezes é inflamada pelo inferno. Não deixe isto acontecer com você. Semeie a paz e não intrigas.

É muito importante ter o papel e presença de um mediador na hora de resolver certos problemas. Paulo aconselhou aos coríntios a levantarem alguns como juízes na igreja, a fim de julgar entre as questões e diferenças dos irmãos:

“Ousa algum de vós, tendo uma queixa contra outro, ir a juízo perante os injustos, e não perante os santos?Ou não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo há de ser julgado por vós, sois porventura indignos de julgar as coisas mínimas? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida? Então, se tiverdes negócios em juízo, pertencentes a esta vida, constituís como juízes deles os que são de menos estima na igreja? Para vos envergonhar o digo. Será que não há entre vós sequer um sábio, que possa julgar entre seus irmãos? Mas vai um irmão a juízo contra outro irmão, e isto perante incrédulos? Na verdade já é uma completa derrota para vós o terdes demandadas uns contra os outros. Por que não sofreis antes a injustiça? Por que não sofreis antes a fraude? Mas vós mesmos é que fazeis injustiça e defraudais; e isto a irmãos. Não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus?...” (I Coríntios 6:1-9).

Não é necessário ter pressa. Paulo regou o processo com oração e diálogo, e quando tudo aconteceu só promoveu a edificação. Não adianta reconciliar “na marra”, a coisa tem que fluir nos corações das pessoas primeiro.

Foi o que Paulo disse a Filemón: “Pois bem, ainda que eu sinta plena liberdade em Cristo para te ordenar o que convém, prefiro, todavia, solicitar em nome do amor, sendo o que sou, Paulo, o velho e, agora, até prisioneiro de Cristo Jesus; sim, solicito-te em favor de meu filho Onésimo, que gerei entre algemas” (Filemón 8-10).

Isto é como aquela mãe que obriga os filhos brigados a darem as mãos e dizerem que perdoam um ao outro... A “reconciliação” só acontece para não apanharem da mãe! Mas não funciona de fato. Não deste jeito.

A reconciliação deve ser pregada e ensinada. Deve ser aconselhada e dirigida. Deve ser praticada na igreja hoje, e nos moldes desta história de reconciliação que o Espírito Santo fez questão que ficasse registrada para nós.

 



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